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quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Caldre e Fião


     José Antônio do Vale, médico, escritor, jornalista, professor e político, nasceu em Porto Alegre, em 24 de outubro de 1824. Iniciou sua carreira profissional aos treze anos de idade, trabalhando numa farmácia. Depois foi auxiliar de boticário na Santa Casa de Misericórdia. Mais tarde, com a intenção de completar seus estudos, transferiu-se para o Rio de Janeiro, abraçando a carreira do magistério, lecionando línguas, filosofia e ciências naturais, num colégio pertencente à família de dona Maria Isabel Lemos, com a qual casou-se mais tarde. Atraído pela medicina, abandonou o magistério para freqüentar a Faculdade de Medicina daquela cidade, tornando-se um admirador da homeopatia, vindo a publicar, durante seus estudos, em 1846, elementos de Farmácia Homeopática, para uso da Escola de Medicina Homeopática. Publicou, também, uma enciclopédia de conhecimentos úteis e história das funções da vida humana.

  Encantado pela literatura,  começou a dedicar parte da sua vida em favor dela, obtendo os primeiros resultados da sua insistência com as letras em 1847, quando publicou a novela A Divina Pastora, (primeiro romance de autor gaúcho publicado e segundo romance da literatura brasileira), onde aparece, pela primeira vez, o epíteto Caldre e Fião no final do seu nome. Empolgado pela literatura, publicou em 1848 um poema em homenagem ao Príncipe Imperial D. Pedro II, que não foi muito comentado. No mesmo ano, publicou o romance Imerisa e, no ano seguinte, outro romance intitulado O Corsário.

   Fascinado pela luta em favor da abolição da escravatura, Caldre e Fião tornou-se um jornalista combativo nas publicações escravagistas, fundando, em 1849, o jornal O Filantropo, no qual passou a publicar suas matérias  e ainda escrevia para mais dois jornais abolicionistas.

Tendo concluído em 1851 a sua tese de doutorado no Rio de Janeiro, voltou para Porto Alegre, onde desempenhou por um tempo a função de redator do jornal O Conciliador, passando, mais tarde, para o jornal   A Reforma, este de circulação diária. Mesmo com todo esse envolvimento, convivia trocando idéias com abolicionistas e políticos, tendo, em 1854, adentrado na política como deputado provincial.

    Caldre e Fião fundou em Porto Alegre uma agremiação lítero-cultural, que chamou de Parthenon Literário, e sua revista, onde publicava suas composições literárias. Foi patrono e presidente de honra do Parthenon, mas ninguém trabalhava mais do que ele, pois era líder de um grupo de escritores jovens, que o envolvia continuamente em seus projetos literários. Ele não só escrevia artigos candentes contra a escravatura, como incentivava a socialização do índio e desenvolvia atividades práticas em favor dos escravos, chegando a acolher no sítio de sua propriedade, próximo de São Leopoldo, crianças negras abandonadas em função da Lei do Ventre Livre, enquanto suas mães ainda eram mantidas no cativeiro.

    José Antônio do Vale escreveu novela, romance, poesia, teatro, ensaio e jornalismo, e foi notável orador e conferencista. Apesar do seu nome manter-se no anonimato literário, as expressões regionalistas e as tendências da literatura gótica de seus personagens, se refletiam mais tarde em outras obras literárias, como no Gaúcho, romance de José de Alencar, de 1872.

    Caldre e Fião foi o primeiro escritor gaúcho a explorar o regionalismo literário, mas seu nome ainda atravessa os séculos na obscuridade, começando com    a obra A Divina Pastora, que ficou desaparecida por cento e quarenta e cinco anos, tornando-se um mito apenas. O único indício da sua existência eram palavras citadas em seu livro, como “churrasco”, “guaiaca” e “picanha”, que foram publicadas no livro Coleção de vocábulos e frases usadas na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, do escritor Antônio Pereira Coruja. Mas, em 1992, o livreiro Adão Fernando Monquelat, da cidade de Pelotas, fazia desaparecer este mito criado em torno desse episódio, com a localização de um exemplar da sua novela em Montevidéu, capital do Uruguai.

    Mas, com o advento da cólera na Região Sul, em 1867, Caldre e Fião teve que optar por um dos caminhos que traçou para a sua vida, definindo-se pela medicina. A incidência da cólera em Porto Alegre e São Leopoldo,  selava o destino do médico do proletariado, como foi cognominado, pela dedicação e carinho com que tratava os enfermos acometidos de cólera.

Numa das crônicas do jornalista Aquiles Porto Alegre, escrita durante a epidemia de cólera na capital gaúcha, lia-se: “À noite, na embocadura das ruas e praças, enormes fogueiras, alimentadas pelo alcatrão, davam ao povoado uma aparência sinistra, como se um medonho incêndio lavrasse, ao mesmo tempo, em diversos pontos. E ainda para mais impressionar o espírito já abatido da população, ouvia-se, de quando em quando, o ranger da grilheta dos encarcerados que cruzavam as ruas conduzindo em padiolas as vítimas da peste. E esse som áspero e penetrante, quebrando o silêncio das horas mortas da noite, ressoava tristemente como dobres de finados. E, à luz apavorante das labaredas das fogueiras, que ardiam nas ruas desertas e silenciosas, via-se passar apressado, ao lado de um ou outro, o doutor Caldre e Fião, para ir socorrer os atacados da epidemia, sobre cujas cabeças ele espalmava as asas do seu carinho e de sua caridade infinita.”

    Caldre e Fião morreu pobre, em Porto Alegre, no dia 19 de março de 1876, sem deixar filhos, mas já era nome de rua em Porto Alegre e nome de bairro em São Leopoldo, porém, seu pioneirismo na exploração das expressões regionalistas do gaúcho, até hoje são maquiadas na historiografia brasileira.




Pesquisa de J.G.Ribeiro

Fonte: Google

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Entrevista com Volnei Canônica

"Quero ver territórios leitores mais fortalecidos", afirma Volnei Canônica, novo titular da DLLLB/MinC


Confira entrevista exclusiva com Volnei, integrante do Conselho Deliberativo do Movimento por um Brasil literário, e novo Diretor do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca do Ministério da Cultura.

O Movimento por um Brasil literário se alegra em ver um de seus integrantes e grande promotor do "ler, levar a ler e defender o direito de ler literatura" à frente da Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca do Ministério da Cultura (DLLLB/MinC). Ele nos concedeu entrevista exclusiva, em que conta um pouco sobre as prioridades estratégicas da DLLLB, a ampliação de diálogo entre MinC e MEC para a efetividade da Lei 12.244/10 (Saiba mais em www.euquerominhabiblioteca.org.br), e suas metas e sonhos por um Brasil de leitores.

Canônica é especialista em Literatura Infantil e Juvenil pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) e Literatura, Arte e Pensamento Contemporâneo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Graduado em Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas pela UCS, Volnei Canônica também é ator e diretor de teatro. Desde março de 2011, vinha coordenando o programa Prazer em Ler do Instituto C&A.

MBL: Como sociedade civil, iniciativa privada e governo podem atuar de forma a cooperar e evitar sobreposições para a construção e qualificação de políticas públicas de leitura e biblioteca?

Volnei Canônica: A primeira coisa a ser feita é o reconhecimento dos atores e das ações de promoção da leitura. É urgente que a sociedade civil, iniciativa privada e poder público sentem para conversar. Somos um país de dimensões continentais e por essas minhas andanças tenho encontrado muitas ações de promoção da leitura realizadas por esses diferentes atores. Mas apesar do objetivo ser o mesmo, ainda falta muito diálogo. Precisamos parar de almejar o protagonismo. O cenário nos aponta para a cooperação. Necessitamos fortalecer o território leitor e isso não significa fazermos milhões de ações desencontradas.
A sociedade civil tem o contato direto com os leitores, está nesta batalha de mobilização da população para a causa da leitura muito antes do governo e da iniciativa privada. A sociedade sabe, ou desconfia, da diferença que a Literatura pode trazer no processo da garantia de direitos.
A iniciativa privada não tem só o recurso financeiro. Ela possui expertises que contribuem para os impactos, para um direcionamento, para um melhor planejamento da ação, para a sinergia.

Já ao poder público cabe fomentar este diálogo, construir marcos legais e garantir recursos para a sustentabilidade das ações de promoção da leitura.

O Brasil tem um povo guerreiro que, mesmo com a ausência do Estado, tem levado a leitura e a Literatura por meio das bibliotecas escolares ou das salas de aula por professores que entendem que seu papel de educador vai além da alfabetização e do conteúdo.

Multiplicam-se mediadores de leitura de bibliotecas comunitárias ou bibliotecas móveis que estão rodeados de meninos e meninas à procura de uma história.
Tenho encontrado muitas bibliotecas públicas com bibliotecários comprometidos com a Literatura, a informação e o conhecimento.

Os nossos escritores, ilustradores, designers gráficos e editores produzindo Literatura e livros de qualidade que enchem os olhos e as almas de brasileiros e estrangeiros.
Livrarias e cafés que a todo tempo se reinventam e promovem saraus, bate-papos, leitura de histórias, sempre na intenção de dar acesso a todo esse universo ficcional e do conhecimento.

Se conseguirmos reunir numa mesa redonda, sociedade civil, iniciativa privada e poder público para juntos planejarmos e desenvolvermos os nossos papéis nesta cooperação, não tenho dúvida que vamos avançar muito. Os desafios são grandes, mas nossa capacidade de construção coletiva tem de ser bem maior.

Eu acredito nesta forma de trabalhar, sem querer minimizar o dever do Estado de garantir Educação e Cultura para todos!  
Soma-se a tudo isso a importância da criação dos Planos Municipais e Estaduais do Livro e Leitura. Os planos devem ter a capacidade de reunir os atores para discutir as prioridades num território e disputar o orçamento público. Precisamos pensar a leitura em territórios.

MBL: Quais as prioridades estratégicas da DLLLB?


Volnei Canônica: A Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca em sua atual configuração é muito recente e nos últimos quatro meses ficou sem diretor. Claro que isso não impediu que as ações acontecessem porque a DLLLB tem uma equipe comprometida e administrou, dentro de suas possibilidades, o que era prioridade. Além disso, a DLLLB não conta, neste momento, com recursos financeiros suficientes para tudo que necessita. Já dá para ver que o desafio é dos bons!
Partindo deste cenário as prioridades são:
- Estruturar a Diretoria de modo que a equipe se sinta confiante em realizar suas ações, facilitando assim a agilidade nos processos;
- Valorizar, dar visibilidade e fortalecer as ações já desenvolvidas pela Diretoria;
- Fortalecer programas importantes como o PROLER e o Mais Bibliotecas;
- Dar estímulo à participação de novos escritores em feiras nacionais e internacionais;
- Reabrir a Biblioteca Demonstrativa de Brasília;
- Valorizar os esforços da sociedade civil para promover o acesso ao livro e a Literatura para todos;
- Viabilizar o aumento dos recursos financeiros para a Diretoria dentro do MinC e por meio de parceiras;
- Trabalhar para a aprovação da Lei do Fundo Pró-Leitura;
- Trabalhar para a aprovação da Lei do Plano Nacional do Livro e Leitura;
- Fomentar a construção dos Planos Municipais e Estaduais do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca;
- Ter um bom diálogo e construir parcerias com atores da cadeia do livro (editores, livreiros, escritores, ilustradores, designers, livrarias, distribuidores, mediadores de leitura, professores, universidades, bibliotecários etc);
- Promover territórios leitores;
- Mobilizar a sociedade brasileira para a causa da leitura e para o valor simbólico que representa ter o livro aberto, possibilitando o acesso ao conhecimento e à cultura, patrimônio da humanidade.

MBL: Como ampliar diálogo entre MinC e MEC para a efetividade da Lei 12.244/10?


Volnei Canônica: É importante dizer que o Plano Nacional do Livro e Leitura nasceu deste diálogo entre o MinC e o MEC com um importante papel da sociedade civil. Mas, por um período – 2011 a 2013 – esse diálogo foi enfraquecendo porque o próprio governo deixou de priorizar o PNLL. É importante também pensarmos que existe um rodízio muito grande de pessoas no poder público, o que dificulta muito este diálogo. Às vezes é um constante recomeçar. Mas é preciso que seja dito que este diálogo já foi retomado e que existem já alguns encaminhamentos para pensarmos também, em diálogo com instituições que estão diretamente ligadas para efetivação desta Lei, ações concretas. Vejo este cenário não só como um grande desafio, mas como um importante passo para a construção de um país leitor para o qual estamos (Minc e MEC) dispostos a olhar com mais atenção.


MBL: Como a DLLLB pode contribuir para que a leitura literária esteja mais presente na agenda nacional de educação e cultura?

Volnei Canônica: Cabe à DLLLB pensar o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas atuante e moderno em diálogo com as Bibliotecas Comunitárias; a Leitura como um processo de acesso à informação, à ficção, à cultura e à cidadania; o valor simbólico e econômico que o livro, a leitura e a Literatura estabelecem na sociedade e a valorização e formação de pessoas e instituições para atuarem neste processo.

Acredito na Literatura como um Direito que, se acessado, possibilita ao ser humano organizar seus conhecimentos e argumentos para a conquista de todos os outros direitos. Um ser humano mais pleno de seu papel na sociedade.
A DLLLB pretende trabalhar muito próxima às ações do MEC. Acredito neste diálogo e que juntos podemos reafirmar, ainda mais, o papel da Literatura na construção de cidadania. A presença da Literatura começa nas famílias e perpassa todas as outras instituições da sociedade.
O Ministro Juca está nos trazendo o desafio de pensar uma grande campanha de mobilização da sociedade brasileira para a causa da leitura. Não tenho dúvida que o único caminho é a leitura literária.


MBL: Um sonho, uma meta da sua gestão?

Volnei Canônica: Sou feito de sonhos! Sou ficção! Como meta quero ver territórios leitores mais fortalecidos. Que todos os atores que são importantes para a promoção da leitura estejam em diálogo. Que minha frase “Um por todos e todos por um Brasil de leitores!” não seja só um slogan, mas que seja o caminho percorrido entre o arco e o alvo.

Toda força nessa empreitada! Estaremos juntos cumprindo nosso compromisso por um Brasil literário.

http://www2.brasilliterario.org.br/pt/noticias/reportagens/entrevista-quero-ver-territorios-leitores-mais-fortalecidos-afirma-volnei-canonica

Colaboração: Wagner Coriolano

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Sobre “Ciranda Negra”, de Eni Allgayer



Eni Allgayer fazia uma sessão de autógrafos do seu último livro (de contos) Ciranda Negra na Feira do Livro de São Leopoldo, em 2011. Aproveitei a oportunidade para adquiri-lo, pois muito já ouvira falar sobre a capacidade literária da autora.

Entretanto, o título do livro me inquietou. Era paradoxal: “ciranda” é uma música alegre, marcada, que se dança com vestes coloridas em roda. Mas o que me intrigou foi o adjetivo “negra”. O que significaria? Mal? Infelicidade? Morte?

E o livro foi para a minha “fila de leitura” (sempre tenho livros não lidos: que recebo de presente ou que compro).

Ontem chegou a vez do livro de Eni. E de novo a capa com corvos voando em círculo me incomodou.

E comecei a leitura. Li-o todo, sem parar com Eni me conduzindo pelos meandros de suas narrativas.

O conto que dá título ao livro reporta a uma ciranda de justiça feita com as próprias mãos, segundo o preceito bíblico “olho por olho, dente por dente”. E a justiça negra é o prato dos urubus que, voando em círculo, aguardavam seu alimento.

Eni mostra-se mestre em dizer sem escrever, em finais inusitados, em levar o leitor interessado até o final do conto (em alguns deles respirei fundo: ufa!), preso às personagens muito bem construídas (algumas pensei até que conhecia) e na teia do enredo.

E as personagens? Quem são? Os pobres sofredores, marginalizados por esta nossa sociedade de consumo, que se arrastam numa vida madrasta, sem nem saberem bem por que vivem: catadores de lixo, favelados, maridos bêbados que batem nas mulheres, agricultores pobres, e todos os demais pobres, para os quais a “indesejada das gentes” (como diz Manuel Bandeira) volta sua atenção. E não seria ela a liberdade? Como para Brunilda (do conto “Segredos”), adolescente que inocente engravidou e foi desprezada pelo pai e pela mãe e para ser livre como uma borboleta se atirou nua do galho de uma caneleira com uma corda amarrada ao pescoço, voando de braços abertos rumo à água.

As personagens conduzidas pelo fio invisível da emoção de Eni buscam essa liberdade que elas não sabem onde está. Talvez no “anjo negro”, que está à espreita, esperando qualquer deslize para levá-las. Isso acontece de uma maneira tão natural que ao leitor cabe conformar-se com o destino dessas criaturas.

Um conto que explica muito bem o título do livro é “Um gato entre achados e perdidos” cujas personagens que formam a ciranda são: uma faxineira pobre, uma mulher rica e um ladrão de bancos, cujas vidas se cruzam. E como? A faxineira espera para atravessar a estrada, o ladrão vem em alta velocidade e colide com o ônibus no qual viaja a mulher rica. E a trama? Perfeitamente urdida: a mulher havia matado o marido alérgico a picada de abelhas, com o veneno delas, mas possuía uma segunda opção: uma garrafa de vinho com ricina, toxina botulínica e curare. Na batida, a mulher atira a bolsa com a garrafa no lixo que a faxineira pega e esconde, assim como faz com dois maços de notas do carro do ladrão. Em casa, o marido bêbado tira-lhe a garrafa e bebe o vinho, morrendo de “ataque do coração”. Mas ela ficou com o dinheiro.

O principal que senti nos contos que acabei de ler foi o sentimento de Eni percorrendo cada personagem, cada local e tecendo a trama até nos atingir, leitores, em cheio.


Ao terminar o livro parece-me ter entendido a antítese que tanto me provocara: ciranda = alegria, vida, realçada pelo seu contrário: negra = tristeza, morte.

Mardilê Friedrich Fabre

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Um Prosador Gaúcho



No seio de uma família tradicional da cidade de Pelotas, nasceu, em 9 de março de 1865, João Simões Lopes Neto, tornando-se um ícone na literatura gaúcha, pelo estilo demonstrado através de seus contos e causos sobre o povo do seu Estado.

Durante seus cinquenta e um anos de vida, Simões Lopes tentou ser empresário, mas o fracasso foi maior do que os seus sonhos. Durante suas tentativas profissionais, foi professor, capitão  da Guarda Nacional e Conselheiro Municipal em Pelotas, sem ter conseguido, entretanto, a sua realização profissional.

Aos vinte e sete anos de idade, constituiu família, casando-se com Francisca de Paula Meireles Leite, sem que o destino lhes reservasse filhos.

Simões Lopes sempre sentiu-se atraído pela literatura, mas desabrochou como escritor somente aos 29 anos de idade, com o seu primeiro conto, intitulado “Mandinga”, publicado num jornal.

Durante sua vida literária, participou de diversas entidades, sendo um dos fundadores da Academia de Letras do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, no ano de 1910, onde dedicava parte da sua vida entre livros, na busca da sua realização pessoal.
 
João Simões Lopes Neto publicou apenas quatro livros: Em 1910, ”Cancioneiro Guasca”, em 1912, “Contos Gauchescos”, em 1913, “Lendas do Sul”, em 1914 “Casos do Romualdo”.

O autor anunciou o lançamento de outras obras que nunca foram encontradas pela família, a não ser o que foi publicado pela Editora Sulina, em 1955, com o nome de “Gaúcho”. Mas a obra de Simões Neto não fica estagnada nessas publicações, ele também foi descoberto no meio jornalístico, onde deixou um riquíssimo patrimônio publicado. 
  
            Simões Lopes é considerado pelos críticos literários o maior escritor regionalista rio-grandense da sua época, por ter sempre valorizado, nas suas obras, a história do gaúcho e suas tradições. Segundo Antônio Cândido, a natureza adquire dimensões míticas nos contos de Simões Lopes, revelando a presença de uma mentalidade primitiva, coerente com as circunstâncias donde provêm os heróis da narrativa. Dizem alguns críticos literários que Simões Lopes ultrapassa o real quando representa o gaúcho em suas narrações, alcançando o mito de Lilith ao narrar o feminino rio-grandense.

Simões Lopes deixou expressiva contribuição intelectual à literatura gaúcha, entretanto, só alcançou a glória literária após a sua morte, com o lançamento da edição crítica de Contos Gauchescos e Lendas do Sul, em 1949, organizada pela Editora Globo e Augusto Meyer, com apoio de Érico Veríssimo e do editor Henrique Bertaso.

Em diversos estudos, buscando a originalidade do autor e a valorização da sua obra, a prosa de Simões Lopes Neto, rica em linguagem coloquial gaúcha, artisticamente elaborada, ultrapassa hoje os limites territoriais, tornando-se uma literatura universal, sendo encontradas em todo o mundo traduções de sua obra em diversos idiomas.

João Simões Lopes Neto faleceu no dia 14 de junho de 1916.


Autor da pesquisa: J.G.Ribeiro

quinta-feira, 9 de julho de 2015

3º Encontro Nacional de Contadores de História_ Programação

Começa hoje e vai até o dia 15 deste mês, mas ficamos sabendo também hoje.
Acesse o link abaixo e terá as informações e a programação. 
Acontece em Fortaleza. 

Fórum Brasileiro De Bibliotecas Públicas

Revista Biblioo fará a cobertura do IV Fórum Brasileiro de Bibliotecas Públicas


Acesse o link para obter as informações.



Matéria enviada pelo Wagner Coriolano.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Guma: Herói Ou Vítima Do Mar Morto


pois o mar é um mistério
que nem os velhos marinheiros entendem.
Jorge Amado

Pretendo empreender uma breve análise em torno da personagem de Gumercindo, que possui o apelido de Guma, no romance Mar Morto de Jorge Amado. Mar Morto é um romance no qual o autor descreve o cotidiano e a importância do mar na vida de uma comunidade do cais. As pessoas que ali vivem e sobrevivem são extremamente humildes levando uma vida muito simples. A sobrevivência deles depende do mar como meio de transporte, com os alimentos que vem da pesca e nos ritos religiosos para homenagear / saudar Yemanjá. Na crença do povo local as águas do mar pertencem à Yemanjá, e ela defende as pessoas que vivem no mar, mas no dia em que os marítimos morrem vão para as Terras de Aiocá com a sua protetora. Guma é um dos atores deste cenário do cais junto com seus amigos e seu tio o velho Francisco, que ensina Guma o trabalho nos saveiros. Guma torna-se um jovem apaixonado pelo mar, e tem um amor tão intenso que é capaz de colocar sua própria vida em risco inúmeras vezes desafiando a força natural das águas.

Essa sua valentia e domínio nas artes do mar e dos saveiros o transforma em uma espécie de herói quando salva um navio de nome ‘Canavieiras’.

Logo em seguida é reconhecido por todos como um herói e em uma festa de Yemanjá vê uma linda moça, Lívia, que será sua esposa no futuro.

Lívia porém não está habituada com a vida do mar, e após seu casamento com Guma, vive temerosa de que um dia receba a notícia da morte do marido nas águas. Como precaução decide viajar na companhia de Guma. A princípio ele gosta da presença de Lívia e há um clima de romance em toda esta atividade.

Algumas mulheres de outros marítimos procuram adaptá-la na nova vida, explicam que a vida do mar é assim mesmo com muita naturalidade. Diversas vezes se ouve a canção: ‘É doce morrer no mar...’entre outras.

Em um determinado período da vida de casado Guma sente-se atraído por outra mulher,Esmeralda, durante o período  da gravidez de Lívia. Embora sinta-se culpado por trair a esposa e o amigo Rufino, não consegue resistir às investidas e insinuações. Mas para os princípios da lei do cais ele deveria morrer pelo erro cometido!

Guma sofre um acidente em uma de suas andanças marítimas fica ferido e perde o saveiro. Lívia e seus tios oferecem a sociedade na quitanda deles na cidade alta. Guma prefere permanecer como marítimo. Ele adquire um novo saveiro com um empréstimo de João Caçula, e a ajuda quase espontânea do Dr. Rodrigo, mas promete que deixará o mar quando as dívidas estiverem liquidadas. A esposa dá a luz a um menino lindo. Guma começa a realizar algumas viagens contrabandeando seda junto com os árabes. Desta forma consegue saldar suas contas, mas termina surpreendido em uma tempestade no mar, após salvar dois tripulantes do saveiro morre sem que seu corpo possa ser resgatado pelos familiares e amigos.

Lívia fica muito triste e aflita, porém passado o sofrimento maior decide prosseguir no mar navegando com Rosa Palmeirão. 

Será que podemos atribuir a Guma, o herói marítimo em Mar Morto, a afirmativa de Nietzsche (1992, p. 130) sobre o herói trágico? Quando diz que: "o herói trágico alegra-se com o seu aniquilamento." Pois no caso específico de Guma na perspectiva do herói que desde o início tem o conhecimento / a percepção de seu destino, mas contudo não abandona sua trajetória desenvolvendo cotidianamente seu trabalho árduo na travessia das águas.

E o que vamos assinalar a respeito da atuação das mulheres nesta cena toda, eu atribuo que são em parte heroínas, e têm o seu estandarte protagonizado na pessoa e na ideia de d. Dulce, a professora, que está sempre sonhando / vislumbrando um possível milagre na vida do povo do cais, embora Dr. Rodrigo, o médico que trata as famílias do cais, não creia nesta possibilidade.

Por que estes homens e estas mulheres permanecem nesta situação de vida, presos ao mar para sobrevivência, à medida que vão perdendo sua própria vida?

Talvez seja o amor à tradição de viver em torno das águas que pertencem a Yemanjá, a Senhora que possui cinco nomes, que recebe as homenagens dos homens e das mulheres nas festas que lhe são dedicadas, mas mesmo assim os transporta para as "As Terras de Aiocá", quando passam da vida para a morte.

E esta força mística está presente nas canções, nas poesias e no movimento do vai e vem das ondas, como se a vida de todas estas pessoas fosse ritmada pelo movimento marinho, pois o autor refere que o próprio modo de caminhar das pessoas ligadas ao mar é diferente das que vivem na Terra.

O exercício de arrastar o saveiro para dentro e para fora do mar e retornar inúmeras vezes com vida não é garantia de imortalidade. Muitos relatos apontam que mesmo o mais peritos acabam sendo surpreendidos...na sua hora derradeira. E esta é a ansiedade de Lívia e de todas as mulheres dos homens que trabalham nos saveiros, sem contar a incerteza dos recursos financeiros que são escassos ou sazonais, nestes momentos então eles necessitam alternativas, como por exemplo, aceitar um trabalho de transporte de carga por menor preço, realizar viagens de menor curso, trabalhar na pesca ou no conserto de velas e de saveiros aguardando dias melhores, que nem sempre chegam.

Guma viveu este drama, quando estava muito próximo de ser coroado de êxito, semelhante a Édipo triunfante em Tebas, é tragado pelas águas deixando junto da família e de seus amigos apenas sua heroica lembrança, pois nem mesmo seu corpo físico foi resgatado, transformado talvez em uma estrela do mar ou cavalo marinho?


Referências

AMADO, Jorge.Mar Morto. São Paulo: Livraria Martins Editora, S.A., 1936.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. Tradução, notas e posfácio: J. Guinsburg. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.


Eloísa Silva Moura