José
Antônio do Vale, médico, escritor, jornalista, professor e político, nasceu em
Porto Alegre, em 24 de outubro de 1824. Iniciou sua carreira profissional aos
treze anos de idade, trabalhando numa farmácia. Depois foi auxiliar de
boticário na Santa Casa de Misericórdia. Mais tarde, com a intenção de
completar seus estudos, transferiu-se para o Rio de Janeiro, abraçando a
carreira do magistério, lecionando línguas, filosofia e ciências naturais,
num colégio pertencente à família de dona Maria Isabel Lemos, com a qual casou-se
mais tarde. Atraído pela medicina, abandonou o magistério para freqüentar a
Faculdade de Medicina daquela cidade, tornando-se um admirador da homeopatia, vindo
a publicar, durante seus estudos, em 1846, elementos de Farmácia Homeopática, para uso da Escola de Medicina
Homeopática. Publicou, também, uma enciclopédia de conhecimentos úteis e história das funções da vida
humana.
Encantado
pela literatura, começou a dedicar parte
da sua vida em favor dela, obtendo os primeiros resultados da sua insistência
com as letras em 1847, quando publicou a novela A Divina Pastora, (primeiro
romance de autor gaúcho publicado e segundo romance da literatura brasileira),
onde aparece, pela primeira vez, o epíteto Caldre
e Fião no final do seu nome. Empolgado pela literatura, publicou em 1848 um
poema em homenagem ao Príncipe Imperial D. Pedro II, que não foi muito
comentado. No mesmo ano, publicou o romance Imerisa
e, no ano seguinte, outro romance intitulado O Corsário.
Fascinado
pela luta em favor da abolição da escravatura, Caldre e Fião tornou-se um jornalista
combativo nas publicações escravagistas, fundando, em 1849, o jornal O
Filantropo, no qual passou a
publicar suas matérias e ainda escrevia
para mais dois jornais abolicionistas.
Tendo concluído em 1851
a sua tese de doutorado no Rio de Janeiro, voltou
para Porto Alegre, onde desempenhou por um tempo a função de redator do jornal O
Conciliador, passando, mais tarde, para o jornal A
Reforma, este de circulação diária. Mesmo com todo esse envolvimento, convivia
trocando idéias com abolicionistas e políticos, tendo, em 1854, adentrado na
política como deputado provincial.
Caldre e
Fião fundou em Porto Alegre uma agremiação lítero-cultural, que chamou de Parthenon
Literário, e sua revista, onde publicava suas composições literárias. Foi patrono
e presidente de honra do Parthenon,
mas ninguém trabalhava mais do que ele, pois era líder de um grupo de
escritores jovens, que o envolvia continuamente em seus projetos literários. Ele
não só escrevia artigos candentes contra a escravatura, como incentivava a
socialização do índio e desenvolvia atividades práticas em favor dos escravos, chegando
a acolher no sítio de sua propriedade, próximo de São Leopoldo, crianças negras
abandonadas em função da Lei do Ventre Livre, enquanto suas mães ainda eram
mantidas no cativeiro.
José
Antônio do Vale escreveu novela, romance, poesia, teatro, ensaio e jornalismo,
e foi notável orador e conferencista. Apesar do seu nome manter-se no anonimato
literário, as expressões regionalistas e as tendências da literatura gótica de
seus personagens, se refletiam mais tarde em outras obras literárias, como no Gaúcho, romance de José de Alencar, de
1872.
Caldre e
Fião foi o primeiro escritor gaúcho a explorar o regionalismo literário, mas seu
nome ainda atravessa os séculos na obscuridade, começando com a obra A
Divina Pastora, que ficou
desaparecida por cento e quarenta e cinco anos, tornando-se um mito apenas. O
único indício da sua existência eram palavras citadas em seu livro, como “churrasco”, “guaiaca” e “picanha”,
que foram publicadas no livro Coleção de
vocábulos e frases usadas na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul,
do escritor Antônio Pereira Coruja. Mas, em 1992, o livreiro Adão Fernando
Monquelat, da cidade de Pelotas, fazia desaparecer este mito criado em torno
desse episódio, com a localização de um exemplar da sua novela em Montevidéu,
capital do Uruguai.
Mas, com o advento da cólera na Região Sul,
em 1867, Caldre e Fião teve que optar por um dos caminhos que traçou para a sua
vida, definindo-se pela medicina. A incidência da cólera em Porto Alegre e São
Leopoldo, selava o destino do médico do
proletariado, como foi cognominado, pela dedicação e carinho com que tratava os
enfermos acometidos de cólera.
Numa das crônicas do jornalista Aquiles Porto
Alegre, escrita durante a epidemia de cólera na capital gaúcha, lia-se: “À
noite, na embocadura das ruas e praças, enormes fogueiras, alimentadas pelo
alcatrão, davam ao povoado uma aparência sinistra, como se um medonho incêndio
lavrasse, ao mesmo tempo, em diversos pontos. E ainda para mais impressionar o
espírito já abatido da população, ouvia-se, de quando em quando, o ranger da
grilheta dos encarcerados que cruzavam as ruas conduzindo em padiolas as
vítimas da peste. E esse som áspero e penetrante, quebrando o silêncio das
horas mortas da noite, ressoava tristemente como dobres de finados. E, à luz
apavorante das labaredas das fogueiras, que ardiam nas ruas desertas e
silenciosas, via-se passar apressado, ao lado de um ou outro, o doutor Caldre e
Fião, para ir socorrer os atacados da epidemia, sobre cujas cabeças ele
espalmava as asas do seu carinho e de sua caridade infinita.”
Caldre e Fião
morreu pobre, em Porto Alegre, no dia 19 de março de 1876, sem deixar filhos,
mas já era nome de rua em Porto Alegre e nome de bairro em São Leopoldo, porém,
seu pioneirismo na exploração das expressões regionalistas do gaúcho, até hoje
são maquiadas na historiografia brasileira.
Pesquisa
de J.G.Ribeiro
Fonte:
Google